Buenas, amigos.
Depois de alguns meses parado, voltamos. E dando início a esse retorno, tivemos o prazer de prosear com o amigo e Poeta, Severino Rudes Moreira, um dos grandes poetas do nosso estado.
• Onde nasceu? Onde mora?
Nasci na região denominada Rodeio Velho,
mais exatamente as margens do Arroio Pessegueiro, bem nos “cafundós” Santana da
Boa Vista. A luz era de lampião, a agua trazida de balde de uma sanga a 200
metros da casa, o colégio e o ônibus mais próximos ficavam a mais ou menos uma
hora á cavalo.
Oficialmente sou Caçapavano, pois nasci
antes da emancipação de “Santaninha” e na época o Rodeio velho era um distrito
de Caçapava do Sul.
Resido entre Bagé e Candiota desde 1974,
mas embora ainda tenha domicilio em Bagé, fixei residência definitivamente em
Candiota desde 1986... É um lugar ótimo para morar e tem a tranquilidade que
como bom interiorano, sempre gostei.
• Qual a tua maior saudade?
Se fosse falar para valer de saudade a
gente encheria algumas páginas, mas acho que as mais marcantes são os
familiares que já estão na estancia de cima... Quem chega aos 60 que nem eu,
com certeza já se despediu de muita gente amada, por isso prefiro ocupar da
maneira que posso essas ausências com a presenças de pessoas que chegam
enchendo a vida da gente de juventude e vitalidade. Por essas coisas que as
rugas e os grisalhos aparecem, mas a alma continua cheia de vitalidade. A
juventude que me cerca me energiza e me oxigena.
• O que te fez começar a escrever? Qual a primeira
letra, lembra?
Sempre fui apaixonado pelas letras e os
textos. Também sempre gostei de brincar com as rimas. No colégio primário por vezes ao invés de
escrever uma composição (hoje chamado redação), eu fazia em versos.
Também sempre fui um “devorador de livros”.
Cheguei a ler oito bolsilivros em um dia. Ainda hoje, apesar de estar com visão
péssima, depois que começo a ler um livro, não consigo parar enquanto não chego
a última palavra.
Minha primeira letra musicada e
classificada em festivais foi “Entre Baguais” (até rimou ha ha ha). Uma
parceria com o saudoso Rui Pedro Schimitz defendida por Flavio Hanssen na 6ª
Reculuta da Canção Crioula de Guaíba em 1989. Na época era considerado o
festival mais campeiro do estado e voltamos de lá com um glorioso 3º lugar. Depois
da passagem no palco, pela primeira vez fui procurado por musicistas para
propor parcerias.
• O que mais fala sobre ti? Porque? Um verso de
autoria tua ou não, que fale de ti.
Acho que a serenidade, uma vida regrada e
muito focada na preservação da família. Meu jeito de conviver com os jovens ou
iniciantes no meio nativista. São vários os autores que tiveram em mim sua
primeira parceria poético-musical, ou que começaram uma carreira artística em
eventos que organizei. Acho que sou meio tio de muita gente que hoje milita nos
festivais. Alguns até me chamam de padrinho.
Sempre acreditei muito na renovação, pois
se alguém abriu caminhos para a gente, temos a obrigação de deixar esses
caminhos abertos para quem vem e tenho a convicção de que todos somos exemplos
para alguém... Cabe a cada um de nós definir que tipo de exemplo quer ser.
Acho que todos que componho. Até mesmo aqueles de parcerias com outros autores,
pois algo de mim sempre fica no tema... Cada poema traduz um momento da gente,
por isso escrevo todos os estilos de poesia, desde a sátira até os temas
sociais e espirituais.
• Tua melhor letra, a que tens o maior carinho?
Eu
gosto de tudo o que faço, pois geralmente a ideia, o tema ou foco vem ao
natural, portanto são fragmentos do que vi, vivi ou imaginei, mas me sinto mais
identificado com aquelas onde foco um tema específico e entre esses vou deixar
para a análise dos leitores o meu tema mais premiado, pois talvez o que me
tenha inspirado seja mais consistente que a maioria dos outros.
DAS
CRUZES
“Uma
cruz é bem mais que uma cruz. Depende da forma que se vê”.
São tantas a Cruzes, que o mundo tem,
Porém raras vezes, se para pra pensar,
Que nem todas simbolizam suplicio
Nem todas nos plantam, Argueiros no
olhar.
O olhar que cruza. É um buenas tarde
Saúda quem chega, acena quem vai,
E quando a mão é cruz sobre o peito
Simboliza a fé. “Em nome do Pai”.
Uma cruz que envelhece no vazio da
Pampa,
É de quem carregou a cruz mais pesada,
E a cruz que ressalta n´algum mausoléu,
Traduz uma vida, que não faltou nada.
As cruzes que voam, em tarde de sol,
Se tem asas negras, são funerais,
Mas quando aparecem, com branco nas
asas,
Retinas vislumbram os tempos de paz.
A cruz das estrelas, na quincha do
pago,
É que da o sentido, na cruz da estrada.
E as cruzes do pingo, que uso por
trono,
É onde eu cruzo feliz nas canhadas.
Os braços abertos é a cruz do corpo
É alma aberta, sentimento fraterno,
E esse calor, que brota por dentro,
Ameniza agruras, de qualquer inverno.
Na cruz de uma adaga, escora-se o golpe.
A cruz no estanho é fogo mortal,
A cruz missioneira multiplica braços
E revive a história, num canto imortal.
A cruz na boca pede silencio,
A cruz a quem benze, tem dialeto,
A cruz no papel é escola da vida,
O aval na palavra, do analfabeto.
Esta na cruz, a paixão de Cristo.
Da Cruz se fez o nome de alguém
Se a cruz representa, santíssima
Trindade,
Tem a fé que traduz o caminho do bem
• Qual pensamento que teve quando escreveu?
Eu estava á sombra de um pé de amora que
tinha aos fundos do rancho mateando sossegado, quando passou uma pomba
voando... Logo atrás na mesma direção passou um corvo... Pensei... Duas cruzes
no céu, uma da paz e a outra da morte. Então me ocorreu que a gente sempre
visualiza a cruz como figura de morte ou tragédia, porém ela pode ser vista por
vários nuances...
Larguei a cuia e fui para a caneta
“falar” de todas as cruzes que me vieram a mente.
•
O que acha
dos nossos festivais? Teus melhores amigos dentro dos festivais.
Já fui muito festivaleiro, porém hoje raramente
vou a algum. Só mesmo estes a beira das casas como Bagé e Pinheiro Machado que
vou assisto e volto para dormir em casa. Em parte por limitações de saúde e um
pouco por sentir que nossos festivais perderam um pouco do romantismo que
tinham quando comecei. Hoje a gente confraterniza bem menos nos festivais, pois
como os eventos incluíram as despesas de alimentação e acomodações no cachê dos
participantes, hoje o pessoal se dispersa em vários locais e termina se
encontrando praticamente na hora do palco. Isso tem propiciado a formação de
vários grupos isolados, o que reduz drasticamente o diálogo e a formação de
novas parcerias.
Sinceramente vejo os festivais decrescerem por
uma soma de fatores além desse que citei. Surgiram muitos festivais novos, mas
também vejo muitos festivais bons saindo de cena. As leis de incentivo são burocráticas e nem
todos conseguem acessar, outras vezes acessam, mas não conseguem captar
recursos enfim... Também me preocupa a qualidade registrada com gravações ao
vivo com todos os erros de palco o que é normal acontecer, pois em determinados
casos músicos e intérpretes defendem mais de uma obra, a baixa tiragem de
discos que não chegam aos participantes e muito menos a rádios. Isso faz com
que coisas boas oriundas de festivais, terminem não sendo conhecidas. Se os
intérpretes não regravarem em algum disco solo, a maioria fica resumida ao
palco do festival.
Essa é difícil de responder... São mais de 25
anos fazendo amizades. Teria algumas dezenas a citar. Só parcerias acho que são
mais de 50 e nesse quesito sou “enjoado” só serve uma parceria se fortalecida
por uma grande confiança e a amizade. Por isso vou me limitar a três que já
estão nos abençoando lá de cima que foram fundamentais pela confiança nos
tempos iniciais.
- Rui Pedro Schimtz a primeira parceria. Primeiro
musico a acreditar nos meus versos. Foram só duas musicas gravadas, mas nasceu
uma amizade muito forte e ambas musicas rodam até hoje. Ainda hoje ligo para
seus familiares para ter noticias e relembrar velhos tempos.
- Edson Otto que quando conheceu a musica
“Rumbeando Pro Fim” disse a Rui Schimitz que podia convidar outro para cantar
junto, mas que não abria mão da musica e realmente foi ao Paraná defende-la
junto com Valdir Justi... Algum tempo depois veio a Bagé em um evento no
Ginásio Militão, descobriu que eu estava lá e informou-se até descobrir quem
era. Ali nascia mais uma grande amizade.
- Cesar Passarinho. Fiquei com duas musicas
gravadas na sua voz. Um exemplo de humildade e talento. Nasceu uma grande
amizade na Coxilha Negra da cidade de Butiá, que se reforçou muito nos
festivais de Lavras do Sul e Cruz Alta.
• Foi difícil entrar no meio da música?
Foi difícil sim. No início são poucos que
acreditam no trabalho da gente, mas no meu caso não demorou muito (três anos),
graças ao poeta bageense Eliezer Tadeu Dias de Souza que me indicou as
parcerias iniciais. Hoje acho que está bem mais difícil o acesso aos mais
novos, por isso sempre que posso “parcereio” com quem está ainda buscando seu
espaço. Tento fazer pelos outros o que esse grande poeta fez para mim.
O que sente, quando as pessoas cantam as
tuas músicas?
- Com o tempo a gente vai vendo com mais
naturalidade. A primeira vez que vi um trabalho meu no palco foi algo mágico,
pois é sempre gratificante sentir o apreço pelas coisas que a gente produz.
Confesso que gosto bem mais quando alguém canta espontaneamente ao vivo do que
ouvir no rádio.
E as musicas parecidas ou com temas
parecidos?
- Hoje existem muita coisa parecida, até
por que existem os “Festivais Temático” que direcionam para isso, mas eu sempre
evito compor temas já explorados. Por outro lado não tenho nada contra quando
alguém compõe sobre um tema ao qual já escrevi, principalmente se as expressões
são parecidas, pois é um claro sinal de apreço ao conjunto da obra. Hoje por
exemplo deve ter mais de 20 músicas focando o tema “Estiagem” e isso não me
incomoda. Pelo contrário sinto com isso a força que a obra tem. “Entre Baguais”
também tem vários fragmentos em outras musicas e livros.
• O que sente, quando as pessoas cantam as tuas
músicas?
Com o tempo a gente vai vendo com mais
naturalidade. A primeira vez que vi um trabalho meu no palco foi algo mágico,
pois é sempre gratificante sentir o apreço pelas coisas que a gente produz.
Confesso que gosto bem mais quando alguém canta espontaneamente ao vivo do que
ouvir no rádio.
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E as
musicas parecidas ou com temas parecidos?
Hoje
existem muita coisa parecida, até por que existem os “Festivais Temático” que
direcionam para isso, mas eu sempre evito compor temas já explorados. Por outro
lado não tenho nada contra quando alguém compõe sobre um tema ao qual já
escrevi, principalmente se as expressões são parecidas, pois é um claro sinal
de apreço ao conjunto da obra. Hoje por exemplo deve ter mais de 20 músicas
focando o tema “Estiagem” e isso não me incomoda. Pelo contrário sinto com isso
a força que a obra tem. “Entre Baguais” também tem vários fragmentos em outras
musicas e livros.
• Com quem escreveria um verso? Musicada, por quem?
Se consigo me situar na ideia escrevo com
todos os que me propõe parceria, inclusive recebo muitos temas começados e
geralmente consigo me situar na ideia do parceiro... Temos vários temas
premiados com ideia inicial de outros autores.
Tenho parcerias de letra com vários
autores. Xiru Antunes, Diego Muller, Cristiano Medeiros, Adriano Medeiros,
Frederico Rangel, Rafael Mota Altenburg, Patrick Duarte, Lucas Gross, Caine
Garcia, Mauro Nardes, Vasco Velleda, Tiago Cesarino e outros tantos que não me
ocorre agora.
Entre musicistas tenho mais obras em
parceria com Zulmar Benitez, Sergio Rosa, Tiago Cesarino, João Bosco Ayala, mas
creio que são quase cinquenta parcerias espalhadas por este Rio Grande velho.
• Qual a tua rotina?
Realmente, hoje minha vida é bem
rotineira. Aposentado desde 1987, me tornei uma pessoa muito caseira. Durmo
tarde, também acordo tarde, não tenho compromisso algum com horário a não ser o
radio das 17:00 ás 19:00. Preencho meu tempo com a família, o chimarrão sagrado
e de resto é no computador compondo meus versos ou escrevendo meus causos.
Ocasionalmente vou as escolas ou alguma atividade gauchesca fazer alguma
palestra ou simplesmente contar histórias e causos para a criançada.
• O momento em que os versos nascem, momento que te
inspira?
Não tenho
momento específico para criar. Basta uma imagem, uma palavra, uma saudade
enfim. O que me da o “tal estalo” chega a qualquer momento e quando chega trato
de escrever o básico e depois vou “cepilhando”. Ou seja, mais cortando do que
acrescentando.
• Pra quem está começando, qual é a dica?
Humilde, autenticidade, perseverança. Não
acho interessante copiar estilos, embora seja comum em início de carreira. Ler
muito, exercitar a escrita. Reler o que faz, pois cada vez que se lê aperfeiçoa
um pouco. Evitar sempre que possível aqueles termos muito usados, para que
tenha um modelo de poesia diferenciada. Buscar temas diferentes ou pouco
explorados, pois um tema novo sempre chama a atenção positivamente
principalmente ao público. Buscar parcerias por questão de afinidade. Reconhecer sempre a arte do companheiro,
pois mesmo aquilo que nos parece comum, para quem criou foi um momento de
inspiração, muitas vezes não percebida por nós.
• Falar um pouco do seu ultimo trabalho.
Meu trabalho mais recente vem de um
festival temático onde eu sugeri o tema. “Horizonte”. Não concorri por oferecer
o tema, mas escrevi sobre ele e posteriormente classificou no Canto dos
Cardeais da cidade de Canguçu em uma parceria com Sergio Rosa defendida por
Analise Severo.
É uma poesia dentro do estilo que mais
gosto de escrever ou seja. Pegar um tema e explorar o máximo que consigo dele.
O FIO DO HORIZONTE
No olhar cabe inteiro
A mão não pode tocar
Evita a nossa presença
Se mudando de lugar
Do cerro parece imenso
Da canhada só um tirão.
É um espaço aberto
Que prende pela visão.
Amanhece colorado
E anoitece cor de breu
Por vezes é silhueta
Que a neblina escondeu
Parece potreiro grande
Que na retina encerra
É um lugar abençoado
Onde o céu beija a terra.
A lua mostra o dorso
Na beleza que seduz
Madrugada da “Bom Dia”
Com os seus raios de luz.
No verão estremecido
Primavera enfumaçado,
No inverno dorso grisalho
No outono desfolhado.
Numa noite de tormenta
Mescla negrume e clarão
Resume em palmo e pico
Ou mostra a imensidão.
Estampa dois sentimentos
Na imagem cruzando o fio
Alegria de quem chega
E a dor de quem já partiu.
Sobre o que não foi perguntado, gostaria
de acrescentar mais alguma coisa?
Sim. Algo que sempre me perguntam...
Por que meus livros são de causos e não de
poesias, se tenho quase 30 anos de
atividade em festivais?
- Pois bem. São muitos amigos publicando poesias
e com certeza um dia também vou fazer isso, porém em prosa vemos muito pouca
gente publicar e existe muita coisa para ser registrada. Eu cresci ouvindo
causos “Á Beira do Fogo” e se não escrever isso todas essas histórias se
perderão no tempo. Se quem ouviu essas histórias fui eu, eu é que devo escrevê-las e com isso estou
fazendo o caminho inverso, pois se já é tão difícil as pessoas se reunirem a
beira de um fogo para contar causos eu estou trazendo essa oralidade para as
páginas dos livros e por outro caminho fazendo elas chegarem até os gaúchos que
se urbanizaram.